2003-07-28

CAPITAL da cultura Suprimento cultural para empreendedores
TEMOS MINISTRO

Existe um ministro que é acusado por muita gente, não só da oposição. A causa da descrença parece fácil de perceber: o ministro possui fraco poder mediático e é, aparentemente, pouco convincente. É um ministro com um estilo bastante discreto e isso tem-lhe custado algumas críticas. Ao contrário de dois dos seus predecessores, não recorre ás passarelas cor de rosa para obter exposição com as Caras do “jet-set”. Comparando a sua descrição com a de Santana Lopes ou Maria Carrilho, a diferença é abismal. Ao contrário de qualquer um deles não parece ter grandes pretensões, nem na república, nem no partido. As vezes que se ouve Carrilho comentar a política do governo no sector percebe-se o quanto a sua crítica é Bárbara. Recordo, por exemplo, da sua adjectivação no Jornal 2 sobre Roseta: “zombie”. Dias depois, num jornal onde se expressa semanalmente, num estilo mais fúnebre do que filosófico, apelida a política actual do sector como “sepulcral”.

Em contraste, o estilo de Roseta parece ser bem diferente. Atesta-o uma excelente entrevista concedida ao Expresso de 5 de Julho passado. Excelente por vários motivos. Em primeiro lugar, Roseta evidencia um estilo que é, em tudo, a plena negação do estilo, não só de outros ministros que ocuparam o seu lugar, mas também duma praxis política que tristemente tem enfermado a política contemporânea.

Pedro Roseta é declaradamente um político que não tem a pretensão de colocar-se em bicos de pés. O jornal capta esta característica com o destaque do título da própria entrevista – “O homem que não quer ficar na história”. Ao contrário do que se conhece de outros, talvez dos seus maiores críticos, afirma: “não me sinto apaixonado pelo poder”. Termina, aliás, a entrevista com uma afirmação notável que ficaria bem se afixada em muitas salas de reuniões por esse país fora: “um dos grandes problemas do Homem é o desejo de eternidade, de querer deixar obra. Não tenho esse desejo, interessa-me prestar um serviço. Toda a gente sabe que em política não há gratidão, mas mesmo que houvesse, a ideia de ficar para a História deixa-me indiferente. Quero fazer o possível, não o impossível. É muito fácil escrever um livro sobre a utopia.”

Uma leitura atenta da entrevista parece, contudo, indiciar que os entrevistadores carregam também consigo a banalidade das questões que se colocam a um Ministro da Cultura, com destaque para a velha questão da insuficiência orçamental. Ao contrário do que estamos habituados e daquilo que os jornalistas que conduziram a entrevista pareciam querer ouvir, Pedro Roseta não se lamenta da restrição orçamental, nem tão pouco faz disso um argumento para justificar as incapacidades que qualquer ser humano possui. O ministro revela conhecer a sua contingência e aceitá-la, não necessariamente resignado como por vezes nos querem fazer querer, mas com a noção de que a sua área seria sempre das mais afectadas num contexto como aquele que o país atravessa. Reconhece-lo é um acto de consciência, não uma manifestação de acomodação ou passividade. Talvez, por isso, o próprio sector possa vir, noutro contexto, a beneficiar das restrições orçamentais que agora vive.

Beneficiará, desde logo, se a velha lógica da subsídio-dependência que prevalece nos agentes culturais e nas políticas dos últimos anos evoluir para um estádio mais avançado. Também nesta matéria, a entrevista ao ministro acalenta algumas esperanças quando reconhece a necessidade de alargar a procura de bens culturais a outros segmentos da população para que não seja sempre a mesma elite – precisamente a que se queixa do ministro – a consumir cada vez mais do mesmo.
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