Ideias
DO CONCEITO DE SISTEMA PRODUTIVO LOCAL AO CONCEITO DE MEIO INOVADOR
Por J. Cadima Ribeiro
1. Distritos industriais e sistemas produtivos locais
As mudanças verificadas no funcionamento das economias capitalistas subsequentes ao esgotamento do modelo fordista de acumulação e crescimento manifestaram-se na organização da produção e na regulação da economia por parte dos governos. Uma das dimensões da transformação operada em matéria de organização produtiva consistiu na reformulação dos padrões tradicionais de localização das empresas, de que emergiu uma lógica de descentralização. Um dos elementos que caracterizam o modelo de industrialização descentralizada é a existência de sistemas produtivos locais.
Foi Becattini (1979) quem primeiramente assimilou estes sistemas produtivos definidos territorialmente ao conceito marshalliano de distrito industrial. Segundo Becattini (1979), a coexistência de rendimentos crescentes e concorrência é possível sempre que existam economias externas que viabilizam o funcionamento de uma organização produtiva baseada na divisão de trabalho entre empresas.
Becattini refere que "o distrito industrial é uma entidade sócio-territorial caracterizada pela presença de uma comunidade de pessoas e de uma população de empresas num dado espaço geográfico e histórico" (Becattini, 1994). Esta afirmação pretende sublinhar a presença de um conjunto consolidado de atributos que dão identidade e consistência social a um certo território e que marcam decisivamente o modus operandi da vida económica desses espaços, com expressão singular:
i) na existência de uma intensa divisão inter-empresas do trabalho, combinando concorrência e parceria;
ii) na especialização frequente num ramo industrial ou em torno de um tipo de produto, o que facilita a segmentação do processo produtivo em fases diferenciadas, realizadas de forma separada e por empresas diferentes;
iii) na existência de um grau elevado de flexibilidade do mercado de trabalho, escassamente regulado e com frequente presença de auto-emprego;
iv) na adaptabilidade do tecido económico, maioritariamente constituído por PME'S, às condições de mercado, apostado em responder às novas preferências e antecipar tendências;
Deste enunciado de características, resulta que cooperação e concorrência conviverão no distrito industrial e garantirão a sua continuidade. É, por seu turno, esta convergência de interesses da comunidade produtiva que está na origem de um conjunto de economias que, sendo externas à empresa individual, são internas ao conjunto do sistema produtivo local.
2. Do conceito do sistema produtivo local ao conceito de meio inovador
Os sistemas produtivos locais materializam-se num sistema de redes, sociais e empresariais, que dão lugar a uma multiplicidade de mercados internos, nos quais convivem cooperação e concorrência, em doses que se equilibram.
A fonte primária de inovação nestes espaços emerge da concorrência e da rivalidade entre empresas que operam naquele meio. A inovação de processos e de produtos permite-lhes adquirir vantagens de competitividade, contudo, dado que nos sistemas produtivos locais a inovação se difunde com grande rapidez, as empresas podem perder num curto espaço de tempo as vantagens derivadas dessa inovação (Cruz, 1999, p. 31).
Na formulação de D. Maillat, o sistema produtivo local é um meio (milieu) que "integra e domina um conhecimento, umas regras, umas normas e valores, e um sistema de relacionamentos" (Maillat, 1996). A esta luz, o conceito de "milieu" avançado por aquele autor amplia o de distrito industrial, "já que acrescenta à rede industrial o sistema de relações entre os autores de um território e releva a importância da dimensão cognitiva dos mesmos, a qual lhes concede capacidade de intervenção no milieu" (Cruz, 1999, p. 31). Ou seja, a dimensão produtiva e organizacional subsistente num certo território (meio) surge articulada com uma dinâmica social que favorece a aprendizagem e a participação dos actores locais no processo de crescimento e mudança estrutural desse meio.
É esta dinâmica de aprendizagem e este sistema de valores que surgem como os elementos facilitadores da introdução de inovações no sistema produtivo, conforme o consideram Camagni (1991) e Maillat (1992), entre outros. A preservação da vitalidade do sistema produtivo local depende da continuidade da capacidade inovadora dos actores locais, função de comportamentos inovadores e de decisões de fomento da inovação, nas suas diferentes dimensões, interactuantes.
3. Conclusão
Do que se disse a respeito dos distritos industriais e dos sistemas produtivos locais, de uma forma geral, sobressai que a potencialização económica destes territórios e, nesse passo, também a sua internacionalização têm por instrumento básico as acções que, de alguma forma, podem conduzir à preservação e reforço das economias externas que lhe dão identidade e força.
A promoção de economias externas territoriais pode ser prosseguida mediante políticas industriais ad hoc, do âmbito das políticas de desenvolvimento endógeno. Essas políticas, mais do que orientadas para cada empresa, devem visar o sistema produtivo, no seu todo, facilitando o acesso a recursos e serviços especializados e a circulação de informação.
Esse tipo de apoio público pode estender-se, como é óbvio, à operação das empresas dos ditos tecidos produtivos nos mercados internacionais. Nomeadamente, apoiando e incentivando o estabelecimento de estruturas de cooperação empresarial que tenham por directa finalidade a colocação externa da produção local mas, também, numa fase mais avançada, a deslocalização de fases do processo produtivo cuja existência no território de referência deixe de ser competitiva ou a aquisição de acesso a mercados de bens e serviços que sejam estratégicos do ponto de vista da viabilidade do projecto económico do sistema de referência.
Referências:
BECATTINI G. (1979): "Dal Settore Industriale al Distretto Industriale. Alcune Considerazioni sull' unità di Indagine dell'economia Industriale", Rivista di Economia e Política Industriale, 1.
BECATTINI G. (1994), "O Distrito Marshalliano", em BENKO G. e LIPIETZ A., (Eds.) [1994], As regiões Ganhadoras: Os Novos Paradigmas da Geografia Económica, Celta Editora, Oeiras.
CRUZ Francisco Carballo (1999), Indústria e Territórios: As economias externas como factor de competitividade dos sistemas produtivos locais, Dissertação de Mestrado em Economia Industrial e da Empresa, Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho, Braga.
CAMAGNI R. (1991), "Local Milieu, Uncertainty and Innovation Networks", em CAMAGNI R. (Ed.) [1991], Innovation Networks: Spatial Perspectives, Belhaven Press.
MAILLAT D. (1992), "Problematique de l'Analyse des Milieux", Mimeo, IRER, Université de Neuchâtel.
MAILLAT D. (1996), "Du District Industriel au Milieu Innovateur: Contribution à une Analyse des Organisations Productives Territorialisées", Working Papers, IRER, Université de Neuchâtel.