2005-06-06

Editorial
UNS E OS OUTROS

1. Andamos todos irritados. Alguns de nós estamos revoltados. Outros muito zangados. Infelizmente, há razões objectivas para este estado de alma. Subitamemte descobrimos a verdadeira face dos nossos políticos, ainda por cima eleitos há escassas semanas. Enfim, nada que seja verdadeiramente surpreendente. Os nossos políticos sempre foram assim, talvez feitos à nossa medida! São tecnicamente incompetentes; politicamente limitados; e, mais grave ainda, eticamente desenvergonhados.

2. O nosso ministro das finanças é o melhor exemplo deste estado de coisas. O senhor ministro aufere uma pensão generosa que acumula integralmente com o seu vencimento. Já aqui tinhamos afirmado que este ministro não tem moral para aumentar a idade da reforma dos funcionários públicos dos 60 para os 65 anos. A medida é acertada mas não basta aplicá-la aos outros quando o próprio ministro, com bem menos de 60 anos, aufere uma reforma de 114 mil euros anuais por ter sido vice-governador do Banco de Portugal durante ... seis anos! O ministro teria dado um bom exemplo se, no mesmo dia em que foram anunciadas as medidas de contenção orçamental, ele próprio tivesse abdicado da sua reforma. Não foi isso que fez e preferiu antes reafirmar a "legalidade e legitimidade" da sua reforma! Quanto à legalidade, ninguém a discute. Quanto à legitimidade perdeu-a, não só pela inconsitência da sua política com a sua praxis, mas, mais grave ainda, por ter sido no seu mandato no Banco de Portugal que estas reformas foram instituídas e que os vencimentos lá praticados triplicaram! Era Sousa Franco então ministro das finanças e, por via disso, responsável máximo pela comissão que instituiu os vencimentos e reformas no Banco de Portugal. Quem preside a esta comissão é agora Campos e Cunha, o famoso reformado do Banco de Portugal que quer endireitar o défice público. Terá ele, nesta função, capacidade para aplicar no Banco de Portugal as mesmas medidas de austeridade que quer aplicar aos restantes funcionários públicos? Que moral terá para o fazer? E se o fizer, continuará Victor Constâncio a aplaudr o pacote de contenção? Ou dir-nos-á que o seu vencimento não afecta o défice? Pois bem, noutros países, a sequência dos acontecimentos dos últimos dias tinha já levado à demissão do ministro.

3. O ministro das finanças deu um mau exemplo. Há, infelizmente, outros indícios não menos graves de falsa moral. Como é sabido, uma das medidas de contenção do défice obriga ao congelamento "imediato" das progressões dos funcionários públicos baseadas na antiguidade. Foi também anunciado que os deputados deixariam de ter direito a uma reforma vitalicia ao fim de 12 anos de exercício da função. A medida anunciada era esta mas nos últimos dias umas largas dezenas de parlamentares, maioritariamente socialistas (mas não só) movimentaram-se nos corredores do poder para diferir a aplicação da medida para a próxima legislatura. Porquê? Porque eles próprios, atingirão 12 anos de funções no curso desta legislatura. E quantos milhares de funcionários públicos não teriam direito a uma melhoria da sua situação durante esta legislatura? Será que os deputados tinham legitimas aspirações e os outros funcionários públicos não? Convenhamos que, nesta matéria, já não é só ministro das finanças que fica em causa por ceder à pressão dos deputados. É todo o Governo com particular destaque para o Primeiro-Ministro.

4. Há outro exemplo de falsa moral que vale a pena aqui mencionar. Trata-se das nomeações políticas. O PS começou por prometer concursos públicos para várias posições da administração pública mas rapidamente começou a fazer nomações dando por esquecida a promessa. As nomeações chegaram ao ridículo de colocar Fernando Gomes na administração da Galp. Inacreditavelmente soube-se da notícia no mesmo dia em que eram anunciadas as medidas de contenção orçamental. No caso das SCUTs, o Governo vive preso duma promessa eleitoral e demagoga, entretanto, transformada em complexo político. Esta teimosia e complexo, aliados ao oportunismo dumas eleições autárquicas que se aproximam, impede-o de terminar com as SCUTs. Ao contrário das SCUTs, no caso das nomeações rapidamente a promessa foi esquecida porque a máquina do PS é, como se sabe, difícil de alimentar.

5. Há em todos estes exemplos um contraste vergonhoso entre o que se apregoa e o que se pratica. É certo que muitas das medidas partiam de um pressuposto correcto e, algumas delas, eram em si acertadas, ainda que insuficientes. No entanto, rapidamente constatamos que este Governo não terá condições morais de as implementar. Uma sociedade cada vez mais exigente merece melhor.
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