Quando há dias estacionei a viatura junto dum parquímetro, proporcionou-se uma breve troca de impressões com o "fiscal" que inspeccionava a máquina. Simpático, explicou-me quanto teria que pagar. Demasiado simpático, deu-me ainda a entender que não colocasse mais do que dois euros porque, mesmo que passasse o tempo correspondente, não teria problemas.
A farda deste "fiscal" era estranha. Não era um polícia municipal, mas a farda azul tinha um distintivo que mais fazia lembrar uma empresa de segurança. Perguntei-lhe para que entidade trabalhava porque imaginei que estivéssemos perante alguma concessão ou coisa parecida. Cordialmente, respondeu que se tratava duma empresa municipal. Mas quando entendeu avançar explicações procurando elucidar-me que a empresa tinha a "parte pública e a parte privada" fiquei confuso. Pensei que não teria moedas suficientes para sustentar uma conversa clarificadora sobre as partes públicas e as partes privadas daquela empresa.
Vem isto a propósito do público e do privado. Entrou em vigor em Novembro passado legislação que permite às concessionárias de auto-estradas multar os condutores faltosos no pagamento de portagens. Numa primeira leitura, esta forma de privatização não parece ser de todo descabida. De facto, parece fazer todo o sentido que sejam as concessionárias a gerir integralmente o serviço prestado, incluindo a penalização dos faltosos.
Medidas destas levantam, no entanto, questões bem mais profundas. Para abreviar, fiquemo-nos pelas auto-estradas e suscitemos só algumas dessas questões: a quem compete prestar a assistência médica ou outra em caso de acidente? São as concessionárias que asseguram este serviço? E de quem é a autoridade de levantar um auto de acidente de viação? Será que as concessionárias de auto-estradas estarão também dispostas a desenvolver estas actividades e suportar os respectivos custos? E mesmo que pudessem faze-lo, seria legítimo?
E nos casos em que a própria concessionária é uma das partes interessadas num conflito com o consumidor, como não é raro suceder, que garantia tem o cidadão de que se faz justiça? Ou estarão as concessionárias só interessadas em actuar nas ocorrências em que se verifica uma perda de receitas?! E tudo o resto que só acarreta custos e despesas, fica para o Estado?
Como explicar o paradoxo de haverem tantas e tantas actividades exercidas pelo Estado, muitas das quais parece não fazer qualquer sentido que seja ele a desenvolver e, simultaneamente, haver outras actividades em que estranhamente o Estado abdica do seu papel? Com estas questões não se pretende advogar sobre as virtudes ou defeitos do papel do Estado. Mas há questões que parecem cada vez mais incontornáveis. Quais os limites do público e do privado? O que são hoje as actividades públicas e privadas? Que fronteiras as distinguem? Este é um debate urgente e actual que nos deve preocupar a todos.
P.S.: Este artigo foi publicado recentemente na Rede2020 (Volume 3, Número 1, Janeiro-Fevereiro de 2007), publicação electrónica associada de Empreender. É hoje colocado aqui porque entrou precisamente hoje em vigor legislação que permite aos ficais da EMEL emitir multas de estacionamento, função, aliás, que se sobrepõe à da própria polícia municipal. Para quem não sabe, a EMEL é a Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa, em tudo idêntica a uma outra empresa – de seu nome EPUL, Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, também ela uma empresa municipal – que esteve recentemente na base da suspensão do mandato do vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Recorde-se que o motivo dessa suspensão está relacionado com o pagamento de prémios de gestão exorbitantes aos gestores da EPUL. Ora, como se diz no texto, pensando bem, estas formas de privatização começam a ser preocupantes. Considera-se deveras chocante esta visão "pseudo-liberal-bloco central-tira do bolso de todos para meter no bolso de alguns" que orienta as políticas públicas do país. O despudor é tal que até a época carnavalesca serve os propósitos.
A farda deste "fiscal" era estranha. Não era um polícia municipal, mas a farda azul tinha um distintivo que mais fazia lembrar uma empresa de segurança. Perguntei-lhe para que entidade trabalhava porque imaginei que estivéssemos perante alguma concessão ou coisa parecida. Cordialmente, respondeu que se tratava duma empresa municipal. Mas quando entendeu avançar explicações procurando elucidar-me que a empresa tinha a "parte pública e a parte privada" fiquei confuso. Pensei que não teria moedas suficientes para sustentar uma conversa clarificadora sobre as partes públicas e as partes privadas daquela empresa.
Vem isto a propósito do público e do privado. Entrou em vigor em Novembro passado legislação que permite às concessionárias de auto-estradas multar os condutores faltosos no pagamento de portagens. Numa primeira leitura, esta forma de privatização não parece ser de todo descabida. De facto, parece fazer todo o sentido que sejam as concessionárias a gerir integralmente o serviço prestado, incluindo a penalização dos faltosos.
Medidas destas levantam, no entanto, questões bem mais profundas. Para abreviar, fiquemo-nos pelas auto-estradas e suscitemos só algumas dessas questões: a quem compete prestar a assistência médica ou outra em caso de acidente? São as concessionárias que asseguram este serviço? E de quem é a autoridade de levantar um auto de acidente de viação? Será que as concessionárias de auto-estradas estarão também dispostas a desenvolver estas actividades e suportar os respectivos custos? E mesmo que pudessem faze-lo, seria legítimo?
E nos casos em que a própria concessionária é uma das partes interessadas num conflito com o consumidor, como não é raro suceder, que garantia tem o cidadão de que se faz justiça? Ou estarão as concessionárias só interessadas em actuar nas ocorrências em que se verifica uma perda de receitas?! E tudo o resto que só acarreta custos e despesas, fica para o Estado?
Como explicar o paradoxo de haverem tantas e tantas actividades exercidas pelo Estado, muitas das quais parece não fazer qualquer sentido que seja ele a desenvolver e, simultaneamente, haver outras actividades em que estranhamente o Estado abdica do seu papel? Com estas questões não se pretende advogar sobre as virtudes ou defeitos do papel do Estado. Mas há questões que parecem cada vez mais incontornáveis. Quais os limites do público e do privado? O que são hoje as actividades públicas e privadas? Que fronteiras as distinguem? Este é um debate urgente e actual que nos deve preocupar a todos.
P.S.: Este artigo foi publicado recentemente na Rede2020 (Volume 3, Número 1, Janeiro-Fevereiro de 2007), publicação electrónica associada de Empreender. É hoje colocado aqui porque entrou precisamente hoje em vigor legislação que permite aos ficais da EMEL emitir multas de estacionamento, função, aliás, que se sobrepõe à da própria polícia municipal. Para quem não sabe, a EMEL é a Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa, em tudo idêntica a uma outra empresa – de seu nome EPUL, Empresa Pública de Urbanização de Lisboa, também ela uma empresa municipal – que esteve recentemente na base da suspensão do mandato do vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Recorde-se que o motivo dessa suspensão está relacionado com o pagamento de prémios de gestão exorbitantes aos gestores da EPUL. Ora, como se diz no texto, pensando bem, estas formas de privatização começam a ser preocupantes. Considera-se deveras chocante esta visão "pseudo-liberal-bloco central-tira do bolso de todos para meter no bolso de alguns" que orienta as políticas públicas do país. O despudor é tal que até a época carnavalesca serve os propósitos.
Porquê? Cause this is ****ed up, ****ed up