Viagens para as viagens
Por Dora Gonçalves
Tenho um amigo, escritor, que diz não gostar de viajar. Não gosta, ponto. Pelo menos, no sentido concreto do termo. Uma vez tentei saber porquê. Perguntei-lhe como é que ele não se interessa por tantas outras formas de estar, de viver, de sentir, outros locais e belezas e/ou amarguras. «E quem disse que não?», foi a resposta complementada com, «Conheço tudo isso nas histórias que escrevo e que leio, no meu canto, em Guimarães».
A discussão teve ainda alguns trâmites, mas a essência é esta: ele não gosta de viajar fisicamente – e não quer dizer que o não faça por circunstâncias alheias à vontade dele – porque prefere outro tipo de viagens que têm a ver com as palavras e os devaneios de uma alma de escritor. Pessoalmente, junto a isto mais um factor: desconfio que a necessidade que tem de escrever é tão grande que teme perder tempo nesse tipo de viagens que não as da imaginação.
Por outro lado, tenho um amigo, arquitecto, que passa a vida a viajar. É dinamarquês. Conhecemo-nos há 18 anos num intercâmbio cultural e, portanto, já nessa altura viajava. Viu o mundo inteiro: todos os continentes; diversos países dos diferentes continentes. Uma das viagens mais curiosas foi de bicicleta. Juntou-se a dois amigos, voaram até à América central e, durante três meses, percorreram uma série de cidades. Achei, no mínimo, apaixonante.
As conversas que temos tido ao longo de todos estes anos acabam, inevitavelmente, em viagens: eu a dizer, «Quem me dera poder viajar como tu», ele a retorquir, «Exageras nessa vontade; viajar não te acrescenta muito mais», ao que eu lhe digo, «Dizes isso porque o fazes constantemente e quando queres». E a discussão continua. O certo é que há pouco tempo disse-me algo que me calou e em que penso muitas vezes: «Não precisas de viajar para seres uma grande escritora. Tens no teu país um dos maiores escritores do mundo que nunca saiu do seu canto: Fernando Pessoa». Um dinamarquês falou-me em Pessoa, que adora ler. Efectivamente, não me é difícil de perceber que projectamos, muitas vezes, aquilo que mais queremos ser para o desconhecido. Como se o fôssemos fazer, mas ainda estivesse longe, adormecido. Conseguimos ver, mas é ainda intocável.
Aquilo que o meu amigo de Portugal me diz nas entrelinhas é que as coisas estão ao nosso alcance e uma vez palpáveis não são de desperdiçar; são para trabalhar. Aquilo que o meu amigo dinamarquês me quer transmitir é que uma vez alcançado o sonho verifica-se que não é assim tão subliminar como aparenta ser.
O certo é que tenho mesmo esse desejo de viajar constantemente. E não me refiro a viagens paradisíacas. Gosto de contactar com o dia-a-dia das pessoas, com as culturas, hábitos e costumes.
O sonho de ser escritora não advém de projecções. Sinto que já o sou, não só pela necessidade que me acompanha, como pelo prazer que me arrebata. As palavras mexem com tudo o mais íntimo de mim. São terapia. São o que de mais Eu tenho. São viagens, são, as histórias que construo no meu canto.
É possível que se já conhecesse o mundo inteiro, provavelmente iria dizer que não é assim tão fabuloso quanto penso. Mas sei, sem margem de dúvida, o que é que vou fazer ao papel que preenchi como voluntária internacional da AMI.
Dora Gonçalves, co-autora da coluna EmpreenLer, faz da vida uma enorme folha em branco. Com as palavras transforma todas as folhas em branco em enormes vidas. Escreve para viver e trabalha para subsistir. Foi jornalista e faz, pontualmente, trabalhos na área da assessoria de comunicação. É consultora de profissão e autora por vocação dos blogues http://ahoraosexactossegundos.blogspot.com e http://cronicasultimahora.blogspot.com. Tem, sobre si, a mesma visão do que todos os outros. Mas por dentro.
Por Dora Gonçalves
Tenho um amigo, escritor, que diz não gostar de viajar. Não gosta, ponto. Pelo menos, no sentido concreto do termo. Uma vez tentei saber porquê. Perguntei-lhe como é que ele não se interessa por tantas outras formas de estar, de viver, de sentir, outros locais e belezas e/ou amarguras. «E quem disse que não?», foi a resposta complementada com, «Conheço tudo isso nas histórias que escrevo e que leio, no meu canto, em Guimarães».
A discussão teve ainda alguns trâmites, mas a essência é esta: ele não gosta de viajar fisicamente – e não quer dizer que o não faça por circunstâncias alheias à vontade dele – porque prefere outro tipo de viagens que têm a ver com as palavras e os devaneios de uma alma de escritor. Pessoalmente, junto a isto mais um factor: desconfio que a necessidade que tem de escrever é tão grande que teme perder tempo nesse tipo de viagens que não as da imaginação.
Por outro lado, tenho um amigo, arquitecto, que passa a vida a viajar. É dinamarquês. Conhecemo-nos há 18 anos num intercâmbio cultural e, portanto, já nessa altura viajava. Viu o mundo inteiro: todos os continentes; diversos países dos diferentes continentes. Uma das viagens mais curiosas foi de bicicleta. Juntou-se a dois amigos, voaram até à América central e, durante três meses, percorreram uma série de cidades. Achei, no mínimo, apaixonante.
As conversas que temos tido ao longo de todos estes anos acabam, inevitavelmente, em viagens: eu a dizer, «Quem me dera poder viajar como tu», ele a retorquir, «Exageras nessa vontade; viajar não te acrescenta muito mais», ao que eu lhe digo, «Dizes isso porque o fazes constantemente e quando queres». E a discussão continua. O certo é que há pouco tempo disse-me algo que me calou e em que penso muitas vezes: «Não precisas de viajar para seres uma grande escritora. Tens no teu país um dos maiores escritores do mundo que nunca saiu do seu canto: Fernando Pessoa». Um dinamarquês falou-me em Pessoa, que adora ler. Efectivamente, não me é difícil de perceber que projectamos, muitas vezes, aquilo que mais queremos ser para o desconhecido. Como se o fôssemos fazer, mas ainda estivesse longe, adormecido. Conseguimos ver, mas é ainda intocável.
Aquilo que o meu amigo de Portugal me diz nas entrelinhas é que as coisas estão ao nosso alcance e uma vez palpáveis não são de desperdiçar; são para trabalhar. Aquilo que o meu amigo dinamarquês me quer transmitir é que uma vez alcançado o sonho verifica-se que não é assim tão subliminar como aparenta ser.
O certo é que tenho mesmo esse desejo de viajar constantemente. E não me refiro a viagens paradisíacas. Gosto de contactar com o dia-a-dia das pessoas, com as culturas, hábitos e costumes.
O sonho de ser escritora não advém de projecções. Sinto que já o sou, não só pela necessidade que me acompanha, como pelo prazer que me arrebata. As palavras mexem com tudo o mais íntimo de mim. São terapia. São o que de mais Eu tenho. São viagens, são, as histórias que construo no meu canto.
É possível que se já conhecesse o mundo inteiro, provavelmente iria dizer que não é assim tão fabuloso quanto penso. Mas sei, sem margem de dúvida, o que é que vou fazer ao papel que preenchi como voluntária internacional da AMI.
Dora Gonçalves, co-autora da coluna EmpreenLer, faz da vida uma enorme folha em branco. Com as palavras transforma todas as folhas em branco em enormes vidas. Escreve para viver e trabalha para subsistir. Foi jornalista e faz, pontualmente, trabalhos na área da assessoria de comunicação. É consultora de profissão e autora por vocação dos blogues http://ahoraosexactossegundos.blogspot.com e http://cronicasultimahora.blogspot.com. Tem, sobre si, a mesma visão do que todos os outros. Mas por dentro.