2008-12-04

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Crise financeira ou crise de civilização?
Por José Figueiredo

Há mais de um ano que ouvimos e lemos várias palavras pouco comuns para a generalidade das pessoas: "subprime", "credit crunch", "CDO", "risk management", "deflation", "stagflation" ou "depression". Ou seja, o léxico da generalidade dos cidadãos aumentou, sem que a grande maioria consiga perceber um só daqueles vários termos.

Á medida que aquelas palavras foram sendo difundidas, acentua-se a ideia de que vem aí qualquer coisa que não será bom. E porquê? Talvez porque o sector de actividade mais odiado das sociedades modernas, a banca, vive em constante tormenta. Quando a banca dá muitos lucros, fica logo associada à usura e à actividade prestamista. Quando a banca dá prejuízos, é perigoso porque as poupanças que guarda são de ricos e de pobres, e podem-se perder.

Os mercados de acções empurram a actividade empresarial contra a parede dos resultados. Isto é, nenhum accionista aceita a diminuição de resultados, trimestre após trimestre. Na banca, a situação é igual. Os gestores se não cumprem trimestralmente os objectivos que os accionistas lhes impõem, são logo crucificados (ainda que o seu sacrifício tenha a recompensa de largas somas de dólares ou de euros, sob a forma de indemnizações compensatórias).

Perante tal confronto, os gestores bancários têm criado subterfúgios e novos modelos estatísticos que pretensamente os ajudam a conseguirem alcançar o inalcançável. Só que, de tempos a tempos, há alguns gananciosos e outros modelos estatísticos que se verificam que mais não são na realidade do que simples formas de vender ilusões. Depois, há vários casos em que se verificou que existiram conluios entre entidades financeiras, auditoras, entidades reguladoras e até agências de "rating". O Caso Enron / Arthur Anderson ainda não tem uma década, mas parece já ter sido esquecido.

A quintessência da actividade financeira começou a esboçar-se há pouco mais de um ano, quando três fundos do banco francês, BNP Paribas, foram resgatados pelo próprio banco, sob pena de se vir a criar uma crise de desconfiança em todo o sector financeiro. Ou seja, os três fundos estavam contaminados com fundos tóxicos (mais palavras que emergiram no léxico recente). Desde aí, a hecatombe foi evitada, mas o declínio da actividade económica e financeira não parou.

É que a desconfiança veio para ficar e não arredou pé. Os bancos não cedem crédito uns aos outros, fazendo-o apenas com o aval dos Estados. Sem crédito, nenhuma economia do mundo funciona. Mesmo os mais puristas e conservadores têm que aceitar que uma parte significativa da actividade económica do mundo depende da actividade creditícia. Perante tal nó, como iremos viver no futuro? Sem crédito? O crédito só será concedido a pessoas com um elevado grau de cumprimento dos planos de pagamento de dívidas?

Então, e aquela actividade económica que se fundamenta na aquisição sistemática de electrodomésticos, viagens ou de troca de automóvel, que apenas se verifica porque há crédito fácil, vai deixar de existir? Não estaremos nós perante uma mudança radical de modelo económico de vida? É que sem o crédito fácil, muita actividade económica vai ter que ser redimensionada, o que implicará grandes cortes salariais e despedimentos em massa.

José Figueiredo é licenciado em Gestão de Empresas pelo ISCTE e pós-graduado em Marketing pela Universidade Católica Portuguesa. Possui vasta experiência profissional em empresas como a Siemens, Mundial Confiança, Knorr Portuguesa, e Rural Seguros. Foi director de formação de executivos no Instituto Superior de Gestão. Actualmente é docente do Instituto Politécnico de Santarém, consultor e doutorando em Ciências Empresariais na Universidade do Minho.
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