2011-04-06

O resgate

Questiono-me se o FMI e outros fundos de resgate terão conta no Facebook. Não descarto, inclusive, a possibilidade de terem muitos amigos adicionados. Mas já me parece menos provável estarem bem cotados no ranking dos "Gosto".

Sejamos realistas: ninguém parece gostar do FMI & C.ia limitada. A julgar pelo que se vai vendo e ouvindo, para a maioria o FMI é mau. Um autêntico papão. Pior do que o FMI nos tempos modernos só mesmo a peste negra do final do Século XIV. Mas a verdade é que à beira dessa peste, o FMI e o resgate são uma brincadeira de meninos. E porque é que muitos meninos não querem o FMI? Ter-se-á instalado no país uma "receita colectiva", qual crença generalizada ou valor inalienável de que o FMI é pior do que a peste negra?

O FMI é mau e pronto. Assim mesmo. É como uma mentira que de tanto ser repetida até à exaustão, ninguém consegue negar. A sociedade, os países têm esquizofrenias destas. Acontece nos sítios mais improváveis, até, ou sobretudo, numa primavera de descontentamentos. Da mesma forma que a Roménia teve Ceausescu, o Japão vive o pânico nuclear, a Venezuela aprova Chávez, e Kadhafi só sai aos empurrões.

E Portugal? O país continua à espera de D. Sebastião, mas definitivamente parece não gostar do FMI. E a alguns parece que não lhes convém que o país seja resgatado nesta altura. É deixar afundar um pouco mais e logo se verá. Ora, isto acontece, em primeiro lugar, porque o país está cheio de cobardes. E desengane-se o leitor se pensa que os únicos cobardes são alguns governantes ou outros políticos.

Cobarde é desde logo todo aquele que não percebe que está rodeado de cobardes. E se nesta altura o ilustre leitor se sente ofendido, peço-lhe imensa compreensão pela sinceridade. Mas é aquilo que convictamente penso. E seria um acto de pura cobardia e algo de inaceitável para o leitor se não o dissesse alto e com bom som.

Nos tempos que correm, alguns recomendariam falar pianinho. Porque a falta de coragem está instalada. Ora, até se compreende que exista receio desta incerteza que nos rodeia. Podemos até ter medo do futuro, algo plenamente justificado pelo abismo em que estamos metidos. Mas esta cobardia chega a tornar-se irritante porque veste a roupagem de um "pragmatismo excessivo", munida de precaução desmesurada e calculismo. Calculismo pela conquista e manutenção do poder a todo o custo. Nem que o custo seja um país de pantanas, coisa bem pior do que um país de tanga, quando o Governo era mais Durão.

Repito, isto não acontece só nas altas esferas do poder. Olhando para o lado, vemos que ocorre também cá em baixo, na nossa "pequena realidade" do dia-a-dia. Definitivamente, parece que ninguém gosta do FMI. Mas é ao Governo que cabe pedir ajuda externa. À oposição cabe-lhe reconhecer que não hesitará em fazer o mesmo se vier a exercer o poder e isso se revelar necessário. A todos nós cabe-nos ser exigentes e fazer escolhas. A ninguém se pede que adicione o FMI como amigo no Facebook. Menos ainda que clique no "Gosto". Mas ao Governo, qualquer que ele seja – agora, no passado, e no futuro – exige-se responsabilidade e sentido de Estado.

Os compromissos devem ser honrados e cumpridos. E de nada vale dizer que não se leu as letras pequenas dos contratos. Elas estavam lá para o bem e para o mal. E é bom lembrar que na política, na economia, na sociedade, há sempre letras pequenas que é, como quem diz, existem os tais compromissos e obrigações.

O FMI não é necessariamente mau. É preciso desmistificar o FMI e assumir, como alguém já disse, uma política, um "compromisso de verdade", algo de que os portugueses por vezes não gostam. E se dúvidas existem de que temos um problema com a verdade, para os mais distraídos vale a pena lembrar que esta foi a principal mensagem de Manuela Ferreira Leite nas legislativas de 2009. Viu-se o resultado de pugnar pela verdade.

Que o FMI nos vai trazer algumas dores, lá isso vai. É verdade. É como o álcool que se aplica numa ferida para desinfectar. Quanto mais tarde, pior: arde mais. Quanto mais tarde, mais letras – cada vez maiores – se vencerão.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos, 6 de Abril de 2011, p. 31
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