Por mais do que uma vez aconteceu-me um fenómeno curioso com o Jornal de Barcelos. No momento em que o recolho da caixa do correio já tenho lido a sua versão digital. Paradoxalmente, volto a folhear estas páginas e constato que já as conheço há um ou dois dias através da versão que me chega por correio electrónico. Como digo, isto não me acontece todas as semanas mas está a tornar-se cada vez mais frequente.
E assim, aos poucos e poucos, a versão em papel vai sendo substituída pela versão digital. Os benefícios para o leitor são óbvios. O acesso à informação ocorre mais cedo e mais rapidamente. O arquivo deixa de ser físico e passa a digital, ocupando somente "espaço no computador". O próprio consumo parece ser ecologicamente mais amigo. E, finalmente, não menos importante, o custo duma assinatura anual baixa sobremaneira de um valor entre 24 euros (país) e 60 euros (fora da Europa) para uns módicos 15 euros.
Em síntese, se o leitor estiver lá longe – na Tasmânia, por exemplo, ou mesmo em Vladivostoque – pode receber e ler o jornal no mesmo dia da sua saída. A distância deixa de ser um problema e paga por isso qualquer coisa como um quarto duma assinatura em papel para Portugal.
Ainda assim, confesso ao leitor que optei por consultar o preço da assinatura na versão em papel que tenho aqui ao lado do computador no qual escrevo esta crónica. E isto mostra que há hábitos de que não conseguimos libertarmo-nos facilmente. Ainda assim, a verdade é que os hábitos vão-se alterando com o tempo.
O grande inconveniente da versão digital de um jornal é que requer um instrumento de mediação para leitura. Tradicionalmente esse instrumento é um computador. Mas, cada vez mais, é aquilo a que agora se chama "tablet", termo que coloco entre aspas porque o processador em que escrevo não reconhece o termo como sendo português, embora ele possa ser traduzido para tablete na língua de Camões.
A verdade é que os tabletes, cuja massificação começou com o iPad lançado em 2010, vieram para ficar e vão acelerar a mudança em muitos sectores como o da imprensa, edição e distribuição livreira, televisão, e jogos, só para citar alguns dos mais evidentes. À semelhança dos hábitos, a mudança tecnológica continua em curso e parece mostrar que não vai desacelerar. Chegará o dia em que muitos suportes de informação como jornais e livros só serão publicados em versão digital, quiçá aqui e ali complementadas por pequenas séries em papel de qualidade ou edições comemorativas, assim mesmo como quem compra um jornal "gourmet".
Enquanto isto não acontecer, vão continuar a subsistir dois palcos distintos. Num dos palcos, as organizações e muitas das suas ofertas no mercado movem-se num mundo de recursos físicos, tangíveis. É isso que acontece quando recolhemos o jornal na caixa de correio ou lemos um livro em papel. No outro palco, os gestores, os produtores, os jornalistas, os escritores, os leitores atuam num mundo virtual, constituído por uma quantidade infindável de informação mediada por um instrumento, seja um tablete ou qualquer outra coisa.
O sucesso depende da capacidade que as organizações têm em conjugar o melhor dos dois palcos que referi. Isto é, por um lado devem manter o esforço no mundo físico pois para muitas delas é aí que ainda reside o essencial das suas receitas financeiras. Mas, por outro lado, devem ter presente que na era digital em que vivemos, o modelo de atuação de muitas organizações evoluiu de um mundo exclusivamente físico para um outro em que este aparece associado a um contexto virtual.
Estas organizações estão a passar por uma fase de "espelho". Isto é, como num espelho procuram replicar no mundo digital a base da sua atuação no mundo físico. Contudo, se atuar em espelho parece uma decisão lógica, também é provável que em muitas atividades chegará o momento em que deixará de haver dois palcos. E deixará de haver espelho. Quando o palco for integralmente digital, as práticas, as estratégias e as decisões a tomar vão colocar novos desafios.
Artigo publicado no Jornal de Barcelos, 25 de abril de 2012, p. 30