Com as calças na mão. António comprou dois pares de calças por 50 euros. Se tivesse comprado um único exemplar teria pago 30 euros. Comprando dois exemplares pagou o equivalente a 25 euros por cada par de calças. Uma poupança de 10 euros.
Há várias formas de olhar para este negócio. Uma delas mostra obviamente que a despesa efectuada foi de 25 euros por cada par de calças, num total de 50 euros. Numa outra perspectiva – bem mais comedida e conservadora – é possível afirmar que António gastou 50 euros pela compra de calças, adquirindo dois pares quando, eventualmente, um único par lhe seria suficiente.
Há uma outra perspectiva que é tanto ou mais comum do que as anteriores. Trata-se de olhar para este negócio como uma "poupança" de 10 euros, precisamente a diferença entre o que custaria comprar dois pares isoladamente ou separadamente. Este comportamento é muito comum. Provavelmente o mais comum. Ele acontece porque, duma forma geral, todos os compradores gostam de realçar os seus feitos e procurar argumentos auto-justificativos e laudatórios para as suas decisões.
As notícias que surgiram nas últimas semanas sobre a renegociação em curso encetada pelo Governo em várias parcerias público-privadas mostram-nos a perspectiva da "poupança". Dizem-nos quantos milhões se pouparam aqui e ali, nesta ou naquela parceria, mas nunca somos elucidados de forma completa da despesa efectuada. Através dessas notícias soltas ficamos a saber quanto o Estado "poupou" neste ou naquele contrato, mas nada ou muito pouco nos é dito sobre quanto custou a autoestrada A ou o hospital B. Ou seja, está a suceder o mesmo que aconteceria se António não soubesse quanto lhe custou cada par de calças.
E ao comportar-se assim, o Governo, o Estado continuam a fugir à realidade dos números. Uma realidade que, infelizmente, é também comum a muitos dos 308 municípios portugueses. De facto, quando alguém compra umas calças não deveria alegar que "poupou" 10 euros. Quando muito, no caso de dinheiro público, esse alguém deveria questionar-se se são mesmo necessários dois exemplares por 50 euros ou se um exemplar de 30 euros seria suficiente. Fazendo-o, comprando um só par de calças, poderia talvez afirmar-se que a "poupança" foi de 20 euros. O dobro de 10 euros, tratando-se, isso sim, duma efetiva contenção da despesa. Sendo certo que existe uma outra alternativa, bastante plausível nos dias que correm: não comprar calças novas porque, pura e simplesmente, não existe dinheiro e o Estado está com as calças na mão.
Duma vez por todas, devemos enfrentar a realidade dos números. Enquanto não existir informação completa e transparente sobre os negócios do Estado e dos municípios com entidades opacas que nunca são plenamente identificadas, não é possível haver escrutínio público. Para além de completa, essa informação deve ser clara e ter a mesma simplicidade de um simples negócio de calças.
Artigo publicado no Jornal de Barcelos, 19 de setembro de 2012, p. 23