Portugal contínua um país com um analfabetismo que envergonha. Com baixas taxas de escolaridade. Com desistência escolar. Uma calamidade que uma série de artifícios estatísticos de há uns anos a esta parte se encarregará de aliviar. Depois disso ficaremos mais risonhos e alegres na fotografia internacional. Ou seja, o mesmo procedimento que de um momento para o outro aumentou sobremaneira os quilómetros de autoestradas do país através da simples reclassificação de muitos "itinerários principais" (IP) em autoestradas transformar-nos-á num povo com altos índices de educação e formação. Ignorantes mas chico-espertos. Com um sorriso maroto à superfície mas, lá no fundo, estupefactos como um boi a olhar para um palácio.
Talvez por causa disso é impressionante a quantidade de especialistas que por aí abunda. Numa semana são os especialistas em serviço público de televisão. Na semana seguinte os mesmos especialistas em serviço público de televisão, que já tinham sido especialistas em SCUTs, viram conhecedores profundos da TSU e dos seus insondáveis efeitos. E na semana que se segue serão especialistas no que quer que seja. Cada um com argumentos construídos sobre o assunto. A maioria com uma tese inquebrável. Seja sobre a TSU, o serviço público de televisão, as limitações e o potencial de Melgarejo, a reestruturação de empresas de transportes públicos, o 4-2-2, o racionamento de medicamentos, a reforma autárquica ou o Louco Amor.
É assim. Sempre fomos assim. Avessos ao estudo prolongado, cuidadoso, metódico. Qual análise, qual quê! O "toma lá disto Evaristo" ou o "meia bola e força" imperam. Consequências? Depois ver-se-á. Se colocarmos a questão "porquê?", não há resposta. Se houver resposta, ela vem carregada de um argumento imbatível: "porque sim". É assim. Sempre foi assim. Para os governantes e para os governados. Para o povo e para a elite. Para o comentador e para o comentado. Nem o cronista escapa.
Não é de admirar. Um país que coloca nos pícaros as lições de sapiência da Universidade de Verão de Évora e da Universidade de Verão de Castelo de Vide, está tudo dito. Nós que já tínhamos largas dezenas de instituições de ensino superior – quiçá prova da tal pródiga dedicação ao estudo, ao saber, ao conhecimento dos problemas e das suas soluções – passamos também a ter universidades estivais. É isso: universidades estivais. E os media e os seus especialistas rejubilam. Comentam e analisam as lições das universidades estivais, e produzem tese.
Não tardará muito, acontecerá como no mundo dos trapos. Teremos as universidades primavera-verão e as universidades outono-inverno. Desta forma continuaremos a formar especialistas. Hoje em TSU e em serviço público de televisão. Amanhã será noutra coisa qualquer, desde a problemática do escaravelho da batata aos misteriosos assuntos de Estado, passando evidentemente pelas questões fiscais.
A matéria é delicada, tecnicamente complexa, multifacetada? Tanto melhor. Haverá resposta para tudo. Muitas respostas. Quase tantas quanto o número de comentadores, analistas, e especialistas em generalidades que pululam por esse país fora. Depois aparecerá o consultor doutor Borges a chamar ignorantes a alguns empresários – erro crasso porque muitos deles além de serem especialistas viraram agora almas caridosas e previdentes – e então cai o Carmo e a Trindade pelas furiosas injúrias. E com mais ou menos arrufos, o debate na generalidade prosseguirá com baixa às comissões especializadas.
Artigo publicado no Jornal de Barcelos, 10 de outubro de 2012, p. 23.