Esta crónica começa com um assunto banal. Tão banal como a cerveja. Comprar cerveja deixou, em contrapartida, de ser um gesto banal. No passado, a escolha tinha poucas incógnitas. No fundamental, no supermercado o comprador confrontava-se com duas marcas embaladas em garrafas de 33 centilitros. A excepção que comprovava a regra era a existência dumas quantas marcas secundárias que, ainda assim, confirmavam o essencial de um negócio assente em duas empresas.
Este duopólio da Unicer (vulgo Super Bock) e Central de Cervejas (vulgo Sagres) nunca chegou a ser quebrado. Nem por operadores estrangeiros, nem por novos concorrentes locais que desafiassem a comodidade dos instalados. Mas, como dizia, comprar cerveja é hoje um processo mais complexo. Porque subitamente, qual passe de mágica, existe no mercado uma grande diferenciação na oferta. No meu entender, uma falsa diferenciação entre produtos. Mas, ainda assim, uma diferenciação. E em que se baseia esta diferenciação? Na própria cerveja, porventura, com diferentes tipos, sabores, etc., etc.? Não, nada disso. Ela baseia-se fundamentalmente na embalagem. Pura e simplesmente na embalagem.
Começando em primeiro lugar pela mini (inicialmente de 25 centilitros mas também em garrafa de 20 centilitros) que recuperou um novo fôlego. E, ao que parece, de forma acertada: enquanto no passado beber 33 centilitros poderia ser, na sua fase final, um exercício fatigante, é agora mais fácil beber duas minis num total de 50 centilitros, fenómeno explicável por questões técnicas que qualquer bebedor compreende. A decisão parece ainda economicamente mais racional pois uma mini custa ao consumidor bem menos do que uma cerveja de 33 centilitros. Mas feitas as contas, o preço por litro é superior. E, obviamente, as empresas estudam tudo isto, desde a embalagem aos centilitros, passando pela quantidade óptima para manter a frescura.
Se a contabilidade anterior tiver alguma representatividade, é fácil compreender que substituindo 33 centilitros por duas minis de 25 centilitros, o consumo cresce 51 por cento. Como esta diferenciação foi, como disse, acompanhada por uma subida do preço, fica claro o potencial de ganhos.
No lado do consumidor, o exercício complicou-se porque há agora diferentes tamanhos para a mini. Pelo menos, enquanto a ninguém lhe ocorrer a mini do tamanho duma golada, existem as minis de 25 e 20 centilitros. Existe ainda uma grande variedade de caixas em número de garrafas. Ou seja, a diferenciação ocorre na embalagem, seja ela a própria garrafa ou a caixa que as carrega. Ora, esta diferenciação parece não favorecer de todo o consumidor atento porque lhe torna a comparação entre marcas, garrafas e caixas bem mais difícil. Em síntese, é mais difícil fazer a conta.
Para concluir, esta diferenciação parece cumprir fundamentalmente o papel de encobrir o preço. E mesmo que não oculte o preço, pelo menos dificulta a comparação ao consumidor. É certo que para proteger o consumidor, o Estado obriga a publicitar o preço por litro. Mas frequentemente esta norma não é cumprida pelos distribuidores e, nos casos em que é cumprida, a publicitação é feita com letra demasiado pequena.
E porque esta crónica trata de assuntos aparentemente banais dou um outro exemplo a propósito da transparência de preços. Ou da falta dela. Este mais repugnante. É o caso da portagem nas autoestradas cujos avanços tecnológicos vieram introduzir um novo fenómeno: o do consumidor não saber quanto paga pelo serviço. Preocupante. E não me refiro somente às ex-SCUTs. Refiro-me também a outras autoestradas onde têm sido colocados novos sistemas de portagem. Nestas vias, a não ser que o condutor vá acompanhado duma máquina de calcular e fazendo contas no trajeto, não conseguirá saber quanto lhe custou a viagem. E mesmo que arrisque o exercício da máquina de calcular, em vários trajetos também não ficará a saber quanto paga porque esse exercício é impossível de fazer por falta de informação na via.
Esta crónica termina com uma ilação que não é banal: a transparência de preços é, como se viu, algo que em muitos produtos, serviços e mercados tem vindo a regredir. E para combater isto é importante que o consumidor esteja atento. Mas não basta.
Artigo publicado no Jornal de Barcelos, 14 de novembro de 2012, p. 22.