2013-02-17

A insustentável leveza do deslize

O deslize é matéria fascinante na dinâmica das organizações. O deslize estratégico caracteriza as organizações que andam ao sabor dos ventos, sem um propósito claro e direção de objectivos definida. Nestas situações, o desempenho cai progressivamente e começa a sentir-se mal-estar. Não um verdadeiro mal-estar; antes uma sensação de formigueiro.

Quando o deslize deixa de ser comportável e o formigueiro dá lugar à dor, as organizações necessitam de se transformar. Dito isto, é óbvio que Portugal e as suas organizações são no presente um bom caso para estudar o deslize e a transformação.

Não faltam exemplos. Destaco duas empresas conhecidas – RTP e TAP – que vivem em deslize. O seu deslize não é de agora. Tem longos anos, mas acentuou-se com a indefinição dos últimos meses.

A velocidade e declive do deslize da RTP e TAP dependem não só da envolvente política de gestão mas também de um contexto cada vez mais competitivo no acesso aos recursos, quer esses recursos estejam disponíveis no poder central ou noutras fontes públicas e privadas, incluindo os mercados. Ao longo do tempo, os financiamentos do Estado limitaram e amorteceram o deslize em vez de estimular a mudança que a queda de desempenho dessas empresas exigia. Tanto assim é que estas empresas só existem porque o Estado as financia. Se assim não fosse, o deslize de tantos anos, de tão insustentável, já teria levado ao encerramento dessas empresas. Os financiamentos públicos mantiveram-nas no mercado mas criaram uma dependência atroz que não é fácil mudar.

Quando acentuado, ao deslize segue-se, mais cedo ou mais tarde, uma mudança transformacional, tanto mais intensa quanto mais adiada. Inevitavelmente, quanto maior o deslize, maior a ruptura, sendo, não poucas vezes, imposta de fora. Tanto na TAP como na RTP, nos últimos meses pensou-se que a privatização seria a mudança que essas empresas iriam ter para contornar duma vez por todas o deslize. Mas não foi assim. Ora, não havendo transformação, estas empresas vão continuar a deslizar.

Veja-se o caso da RTP. O que torna evidente que ela está em deslize são sintomas como a descapitalização, diminuição de telespectadores, custos elevados, queda no "share" (quota de mercado das audiências), indefinição programática em termos de conteúdos, falta de equilíbrio na carteira de canais, e por aí fora. Quando assim é, a transformação é necessária. No caso da RTP, por mais reestruturações que se anunciem, fica a ideia de que essa transformação foi adiada.

Frequentemente verifica-se que os ventos de mudança e os indicadores positivos de desempenho que se anunciam não passam de fantasias que mascaram os verdadeiros problemas das organizações. Estes indicadores aparecem precisamente quando nos dizem, por exemplo, que a RTP vai ser reestruturada ou que a TAP vai levantar voo! Agora é que vai ser, repete-se ano após ano. Aliás, para além da RTP e da TAP é difícil imaginar alguma empresa no globo que viva há tantos anos em processo de reestruturação!!

A reestruturação está para estas empresas um pouco como as reformas estruturais estão para o país. Alguém tem memória de um período de tempo em que no país não se tenha proposto uma reforma estrutural para isto ou para aquilo? Claro que não. São tantas as promessas de reformas estruturais e reestruturações da RTP e TAP como a inércia que delas resulta. Ora, sendo assim, o deslize continua.

Curiosamente, sempre que uma reforma ou reestruturação é feita (ou mais rigorosamente discursada), é frequente muitas organizações voltarem a entrar em situação de aparente retoma. No caso de um país, poderá ser o "regresso aos mercados". No caso da RTP e da TAP, nos próximos meses essa retoma ser-nos-á servida através duma ou outra medida ou de um ou outro indicador de desempenho aqui e ali menos mau.

Mostra a experiência dos últimos anos que essas mudanças são habitualmente artificias e acabam por mascarar os verdadeiros problemas. Por isso, sem transformação a falta de rumo mantém-se, pronunciando um novo deslize.
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