2013-04-09

Caixote de lixo

O caixote de lixo é um traço comum das organizações, quaisquer que elas sejam. O mesmo caixote que inspirou um artigo sobre teoria das organizações, obviamente intitulado "The garbage can model of organizational theory", publicado na Administrative Science Quarterly em 1972. Os autores – Michael Cohen, James March, e Johan Olsen – constataram que existem organizações que actuam com uma grande variedade de escolhas. Frequentemente, estas escolhas são mal definidas, baseiam-se em decisões inconsistentes e não são partilhadas. São organizações que privilegiam acções pouco claras, baseadas na tentativa-erro. A forma como as pessoas participam nas decisões revela um envolvimento pouco persistente no tempo, sem objectivos claros.


É aqui que entra o caixote de lixo, receptáculo onde se colocam todo o tipo de problemas e soluções à medida que vão sendo gerados no dia-a-dia. Como num caixote de lixo, também nas organizações há lugar a todo o tipo de ingredientes. Por vezes, esses ingredientes – o lixo – possuem uma relação entre si. Ou seja, o papel vai para um lado, o vidro para outro, e o plástico para um outro. Mas isso não é o mais habitual. O mais habitual é os ingredientes não possuírem qualquer lógica ou sentido e, à semelhança dum caixote de lixo, não se descortina qualquer ordem.

Na organização, os ingredientes são os problemas e as soluções. Este tipo de organizações são chamadas anarquias organizadas. Nas anarquias organizadas é normal que os decisores acumulem problemas e criem soluções para problemas inexistentes, o que é obra. Noutras ocasiões procuram criar problemas onde possam aplicar as soluções que tinham para problemas inexistentes, o que também não deixa de ser obra. E por vezes até conseguem resolver alguns problemas sem soluções pensadas ou sem sequer terem constatado esses problemas, o que é uma verdadeira obra. Quando assim é, alguns problemas acabam por ser resolvidos mas não através das primeiras decisões e soluções. Dito de outra forma, não se resolvem, vão-se resolvendo.



Esta é uma leitura atual. Ajuda-nos a compreender um pouco melhor as organizações e a forma como funcionamos em sociedade. Existem imensos exemplos: a alteração constante da política de educação; as dúvidas da empresa que navega ao sabor do vento; o rodopio da política fiscal; a autarquia local que dança ao ritmo da música do momento; a fundação dos interesses; a empresa pública em deslize; o país atalhado e hesitante.

No quotidiano e no caixote de lixo cabe todo o tipo de ingredientes: interesses, problemas, estudos, soluções, adiamentos, protagonismos, protagonistas, propostas. Um caixote de lixo a que podemos chamar anarquia organizada.
© Vasco Eiriz. Design by Fearne.