2015-01-25

O riso é mesmo uma filosofia

Voltemos a Luís Manuel Cunha, em particular à crónica que aqui se reproduziu e que pode ter ferido algumas mentes mais sensíveis. Sobre o cronista escrevi também neste blogue, em março de 2008, há quase sete anos, o seguinte a propósito duma outra crónica do mesmo autor intitulada "O bordel irreformável", um título muito atual e que diz tudo.
[...] vale [...] a pena afirmar que este é presentemente o cronista do país que mais aprecio, daqueles que, quando o jornal chega, nos faz ir ler rapidamente. Meus amigos, deixem de ler os textos lavadinhos da imprensa portuguesa e leiam este nosso amigo de Barcelos. É uma escrita desassombrada, mas elegante, de quem não tem tento na caneta mas diz a verdade. [...] Dificilmente encontrará alguém a retratar tão bem o quotidiano português, seja em Barcelos ou em qualquer outra terreola.
Mantenho o que escrevi. Em 2010, a propósito da publicação duma excelente, imperdível mesmo, colectânea das suas crónicas («Crónicas de um Tempo Sem Tempo», Luís Manuel Cunha, 2009, ISBN: 978989201803), acrescentei:
Luís Manuel Cunha [...] é do melhor que se pode encontrar na imprensa portuguesa. Retrata Barcelos e ao faze-lo retrata todas as nossas cidades, vilas, terras. Retrata Portugal, a nossa sociedade, aquilo que somos, as nossas (poucas) virtudes, os nossos defeitos. [...] Só vos digo, amigos, tem-me dado um gozo tremendo reler muitos destes textos [...]. A não perder.



Voltemos então à questão de partida que tinha anteriormente colocado: o cronista adopta um estilo brejeiro na sua crónica aqui estampada? Acho que não. Sabe o leitor porque não me parece um estilo brejeiro e aprecio a abordagem do nosso cronista de Barcelos? Porque o homem não tem papas na língua e retrata com crueldade e muito humor o desespero do nosso quotidiano. Uma autêntica filosofia do riso, é o que é.

Brejeiro e insultuoso é antes quem nos entra todos os dias pela casa adentro através da TV (sobre a forma de canal público ou com licença pública, o que vai dar ao mesmo) com cara séria, colarinho branco, e linguagem polida depois de nos ter fodido à grande e à francesa - ui, peço desculpa ao leitor mas inclinou-se-me a caneta e deixei-me influenciar pelo estilo inconfundível do cronista que admiro.

Poderia dar o exemplo dumas recentes audições parlamentares que de tão púdico-pornográficas mostram o lodo que se entranhou na sociedade portuguesa, ao ponto de que, num qualquer concurso de reality shows, essas audições deixariam o mais conspurcado cabaret a milhas de distância. Tanto assim é que de um momento para o outro a douta comissão entendeu realizar as audições à porta fechada! Pudera.

Poderia dar um segundo exemplo que mostra o quanto hipócrita um povo pode ser: o da visita que hoje mesmo dois tristes autocarros de anónimos cidadãos da Covilhã resolveram fazer ao prisioneiro preventivo número 44, em Évora. Dizem eles que não é política!

Quanto à crónica referida sobre a Operação Marquês e a detenção de Sócrates só tenho a discordar com o seu autor quando nos diz que foi «nojenta, asquerosa mesmo, a forma como (Sócrates) foi humilhado».

Convenhamos que esta apreciação me pareceu um momento de fraqueza e redenção do cronista, o que se perdoa, embora não se concorde. Não pretendendo substituir o julgamento dos tribunais, não se pode abdicar de um juízo nem do direito a questionar: mas afinal quem está a ser diariamente humilhado com a informação que se vai sabendo sobre este processo? Quem é o humilhado com as sucessivas declarações das visitas de Sócrates? Quem são os humilhados?
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