2015-11-02

Apreciação SEMIBREVE

Terminou ontem à tarde, em Braga, a quinta edição do SEMIBREVE, festival que se vem afirmando de ano para ano no panorama alternativo da música electrónica.

Terminou em crescendo com uma prestação cheia de energia a cargo de Takami Nakamoto e Sebastien Benoits, duo nipónico-francês que encheu a sala principal do emblemático Theatro Circo com um espetáculo transbordante de luz e som. Antes disso, as hostilidades tinham sido servidas pelo australiano Oren Ambarchi que cumpriu a função de abertura com distorções outonais, criando um ambiente apropriado ao espectáculo que se seguiu.

Talvez a melhor forma de caracterizar os três dias do evento seja de facto olhar para eles como uma composição de sons electrónicos que começaram na sexta-feira de forma experimental e se vieram afirmando paulatinamente e em crescendo com propostas nuns casos acentuando o experimentalismo do primeiro dia e, noutros casos, com propostas cada vez mais seguras. O que a seguir se regista não contempla todas as atuações realizadas e menos ainda as instalações digitais que ocuparam o programa e para as quais nos limitamos a olhar de esguelha, por serem elas próprias apresentadas como secundárias e, talvez ainda, por haver uma menor sensibilidade para aquilo que nos propunham.

Na sexta-feira assistiu-se a uma peça comissionada pela organização ao alemão Roedelius, um jovem de 80 anos que se apresentou com calças vermelhas, uma cor condizente e em harmonia com o tom do Theatro Circo. Coube-lhe a primeira dose de experimentalismo na qual teve o mérito de envolver um quarteto de jovens portugueses a actuar no mundo da arte digital, som e imagem incluídos.

Foi um dia com apostas arriscadas, reforçadas por Dopplereffekt, um duo norte-americano muito seguro em palco, mas nem sempre fácil de assimilar por não ter trazido consigo as faixas mais acessíveis que lhe conhecíamos. Foram sons difíceis de catalogar mas estava tudo muito bem programado e estruturado num jogo de som e imagem bem conseguido. Pela noite dentro devem ter ainda actuado Heatsick e Luke Abbott no GNReration, outro dos três espaços de Braga afetos ao festival.

No sábado, aquele mesmo que deve ter atraído o maior número de espectadores, houve a registar a falta de Tim Hecker, a estrela do dia que desiludiu pela ausência. A organização compôs o ramalhete com a promoção de Klara Lewis do pequeno auditório para o palco principal. Foi uma aposta ganha nesta miúda de 23 anos.

Coube depois a Vessel assumir a principal despesa da noite, tendo também ele sido promovido de artista de abertura para o de artista de encerramento, colmatando a falta de Tim Hecker. Vessel, pseudónimo de Sebastian Gainsborough, assumiu muito bem o papel que lhe foi incumbido com uma atuação convincente na qual despontaram três ou quatro faixas soberbas, sempre acompanhadas pelo magnífico registo visual de Pedro Maia. Foi uma prestação que atraiu a assistência: não estivesse ela sentada nas confortáveis cadeiras do Theatro Circo, ter-se-ía certamente assistido a uns pezinhos de dança, embora a dança que Vessel proporciona possa ser algo desconexa e de difícil articulação.

Quando há a destacar momentos brilhantes como aqueles que nos foram proporcionados por Vessel, o risco e dificuldade maior para o artista é manter um registo consistente e ao mesmo nível no decorrer de toda a atuação. Manifestamente, isso não foi conseguido, pelo que o único senão a registar foram alguns momentos menos retumbantes. Apesar destas oscilações, por vezes demasiado evidentes, a sua prestação foi ainda assim a surpresa positiva desta edição do festival, não restando dúvidas de que quando conseguir uma maior consistência, este Vessel vai ser um caso que vai dar ainda mais que falar.

Seguiu-se o sueco Peder Mannerfelt noutra sala, no espaço blackbox do GNRation - uma quase parolice de jotinhas locais que para além da tal blackbox, tem start-ups, organiza workshops e serve outros xaropes sob a forma de anglicismos que nos deixam astonishing. Foi a primeira vez que lá se entrou. E saiu-se de lá convencido de que o espaço é uma aposta municipal a que faltam muitos trunfos para vingar.

A experiência foi ainda mais frustrante porque Mannerfelt foi uma completa desilusão. É certo que quando as expectativas são elevadas, a desilusão é maior. Mas para quem levava em mente "Lines Describing Circles” - álbum de 2014 que roda enquanto se escrevem estas palavras -, aquilo a que se assistiu traduziu-se por uma prestação pouco criativa e banal. Se alguém esperava as paisagens insólitas e tenebrosas de Roll de Dice, magnífico duo que Peder Mannerfelt integra, então a desilusão foi maior.

O adiantar da hora e outros compromissos que já tinham impedido assistir a Heatsick e Luke Abbott na véspera, voltaram a impedir continuar com Powell de quem eram também esperadas surpresas sonoras. Por isso mesmo, esta apreciação é feita com as reservas de quem não assistiu a todos os desconcertos agendados.

A terminar, assinala-se que, ao fim da sua quinta edição, o SEMIBREVE entra paulatinamente numa idade adulta e madura, embora vá continuar a ter muitos desafios pela frente. Um desses desafios passa por conciliar uma tensão clássica da música eletrónica. Uma tensão, um dilema entre sons mais experimentais e obscuros, com todos os riscos que isso comporta na afirmação do festival, e o enveredar pela via fácil da eletrónica mais dançável e popular que certamente arrastaria consigo outro tipo de riscos. Será da capacidade em conjugar estas duas abordagens quase antagónicas mas provavelmente necessárias de conciliar que se jogará o futuro deste SEMIBREVE.
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